Introdução
Na parte anterior, Primeira Guerra Mundial – Parte 1 – Antecedentes: a Paz Armada amedronta a Europa,
nós vimos como cada potência colocou seus interesses frente aos do mundo para
iniciar um conflito de proporções mundiais, notamos que fatores políticos
internos também foram cruciais para o início de uma guerra que atingiu o mundo
em escalas territoriais jamais vistas e imaginadas. Um conflito que poderia e,
para os grandes chefes de Estado, deveria durar pouco tempo, demorou 5 anos
para se concluir e seus resultados contraditórios levaram as potências mundiais
a uma grande crise econômica e política. No entanto devemos nos perguntar: o
que levou a esses desdobramentos? Quais foram as consequências mais duradouras
da Primeira Guerra Mundial? E, por fim, como esses desdobramentos da Primeira
Grande Guerra, não evitaram a Segunda Guerra Mundial?
A
Guerra
Para entendermos melhor a Primeira
Grande Guerra é preciso entender que ela pode ser dividida em “fases” e
“frentes”. As “fases” são os períodos em que a Guerra tomou determinado
formato, e as “frentes” são os territórios onde essas fases ocorreram, sendo
assim dividiremos a guerra em três fases: 1ª Guerra de movimento; 2ª Guerra de
Trincheiras; e 3ª Guerra de Movimento; e em duas frentes a Ocidental e
Oriental.
Frente
Ocidental
Foi na frente Ocidental que a
Guerra ganhou suas características mais marcantes a ponto de conseguirmos
dividir o conflito, nessa porção territorial nas fases citadas acima.
1ª
Fase – Guerra de Movimento
Enquanto o conflito ocorria nos
Bálcãs a Alemanha tinha um plano para derrotar sua inimiga histórica: A França.
A ideia que teria por finalidade destruir o principal inimigo dos germânicos na
Europa ficou conhecida como Plano Schlieffen, de acordo com os estrategistas
que já estavam formulando essa estratégia desde 1906, a Alemanha atacaria a
França pela Bélgica e Holanda utilizando 90% de sua força dominando o norte
até chegar ao Canal da Mancha, enquanto o restante ficaria responsável por
manter suas fronteiras na porção oriental do país, evitando, principalmente uma
possível invasão russa.
A ideia era atacar a França e derrotá-la rapidamente para enfrentar a Rússia na Frente Oriental, porém o Plano Schlieffen falhou. |
Porém com ajuda da Inglaterra, os
franceses conseguiram segurar a Alemanha nas margens do Rio Marne em um embate
que ficou conhecido como a 1ª Batalha do Marne, fato esse que fez com que a
Guerra ficasse estagnada na porção ocidental iniciando a parte mais difícil e
duradoura do conflito: A Guerra de Trincheiras.
2ª
Fase – Guerra de Trincheiras
A fase das trincheiras foi a
mais marcante da guerra não só pelo impacto e pela violência causada pela
estagnação, mas como também pelos novos rumos que o conflito tomou durante esse
período. Durante um período de 3 anos, os europeus construíram 640 km de
trincheiras, e lutavam para avançar quilômetro por quilômetro, sendo que em
1915 os Franceses avançaram sobre os domínios alemães apenas 15 km enquanto
perderam 1 milhão de soldados.
A fase em questão foi
traumática, principalmente para os países que lutaram no front ocidental, e
essa situação só ia mudar drasticamente no ano de 1917. Então, por enquanto,
viajaremos para o outro lado da Guerra onde ela ainda se movimentava na Frente
Oriental.
A trincheira era a casa do soldado, lá ele comia, dormia, guerreava e fazia suas necessidades, o período foi traumático principalmente para ingleses e franceses |
Frente
Oriental
A Alemanha estava cercada pelos
seus inimigos, ao Oeste enfrentava a França e a Inglaterra em uma guerra que
deveria durar pouco tempo, mas agora estava estagnada, ao Leste deveria conter
a Rússia, uma vez que suas tropas estavam sem movimento no front ocidental, agora a
Alemanha, junto com o Império Austro-Húngaro poderia destinar suas forças a
derrotar a Rússia, e ao sul agora teria que enfrentar a Itália que havia saído
da Tríplice Aliança para lutar na Entente.
Mas afinal, o que fez os italianos
mudarem o seu rumo durante a guerra? Os livros sobre Primeira Guerra Mundial
abordam pouco a participação da Itália na Guerra, o que se sabe até então, é
que o povo da península itálica optou por mudar de lado após um acordo secreto
conhecido como Tratado de Londres, o qual garantia a devolução de alguns
territórios que foram perdidos pela Itália, durante sua guerra de unificação,
para o Império Austro-Húngaro.
A troca de lado dos ítalos rendeu um
inimigo a mais para Alemanha que além de lutar contra os inimigos europeus
também disputava territórios no Pacífico com o Japão, guerra essa na qual não
se saia muito bem.
Ainda no Oriente, a Guerra mostrou uma
de sus facetas mais terríveis, até hoje uma marca negativa na História da
Turquia: O Genocídio Armênio. Os impérios são normalmente grandes
extensões territoriais que abarcam uma grande quantidade de povos com diferentes
culturas, no século XIX as ideias de superioridade racial sustentavam as
dominações imperialistas. No Império Turco-Otomano, predominavam as ideias do
panturquismo, no entanto também viviam vários povos que não eram nem da mesma
religião e nem da mesma etnia que os turcos, e entre os grupos mais hostis ao
império estavam os cristãos armênios. Esse grupo, que hoje habita um país
independente na região do Cáucaso, foi considerado como traidor pelo partido dos
Jovens Turcos, o massacre deixou um saldo de 1,5 milhão de mortos, causando uma
dispersão dos armênios pelo mundo. A atrocidade foi tão grande que até hoje a
Turquia prefere não reconhecer o crime cometido.
1917
– Um ano de mudanças.
O ano de 1917 pode ser considerado
um marco decisivo nos rumos que a Primeira Guerra Mundial tomou. Com a entrada
e saída de Aliados na Tríplice Entente somado às inovações bélicas, o ano pode
ser considerado a reta final desse conflito que na cabeça dos beligerantes não
duraria mais que 6 meses, no entanto o conflito ainda demoraria mais um ano
para cessar.
Estados Unidos – desde o início
o governo estadunidense se mostrou neutro no conflito, isso porque, durante a
guerra, a futura potência estaria somente vendendo mantimentos para os países
beligerantes. O que fez os EUA entrar na guerra, se afinal ela estava tão
lucrativa? Essa pergunta se responde pela nova tática adotada pela Inglaterra e
Alemanha, com a guerra estagnada por conta das trincheiras, alemães e ingleses
resolveram, literalmente, matar seus inimigos de fome, ou seja, afundar os
navios com suprimentos com a finalidade de acabar com o inimigo pela falta de
alimentos que a população sofria, porém, como maior parte dessa alimentação
vinha por navios estadunidenses, muitos desses foram afundados por submarinos[1]
alemães, o que em 1917 tornou insustentável a relação pacífica entre EUA e
Alemanha.
Cartaz estadunidense convoca homens para a frente de batalha na Primeira Guerra Mundial. Algumas propagandas também incentivavam a população a pagar o bônus de guerra que seria revertido ao exército. |
Rússia – em Outubro de 1917,
a Rússia já está passando pela sua segunda fase da Revolução Russa[2], depois de 8 meses
de processo revolucionário menchevique, os bolcheviques assumem o poder
derrubando a minoria, a prioridade é deixar a guerra, no entanto, a saída russa
não foi imediata e só iria se concretizar de fato em março de 1918 com o Tratado
de Brest-Litovsk também conhecido como a “paz envergonhada”.
A saída da Rússia, embora fosse uma
perda para a Tríplice Entente, foi contrabalanceada pela entrada dos Estados
Unidos, essas entradas e saídas somadas com as inovações tecnológicas fizeram a
guerra voltar a se movimentar novamente.
3ª
Fase – Guerra de Movimento
Assim como vimos na primeira fase, o
que vai trazer novamente a guerra ao movimento será a 2ª Batalha do Marne, porém
agora os alemães não enfrentam somente as tropas inglesas e francesas, eles
também têm os EUA como inimigos, uma luta desigual como essa faz com que a
Alemanha recue cada vez mais até assinar sua rendição, no entanto vale
considerar que os germânicos não perderam essa Guerra somente para as potências
inimigas, mas também para problemas internos que começaram a surgir por conta
de agitações políticas, inclusive sob influência da Revolução Russa[3],
que exigiam o fim do governo de Guilherme II, e por consequência, o fim do Império
Alemão.
Para derrotar o Império
Turco-Otomano a Entente priorizou os incentivos às independências locais, nesse
caso vale ressaltar aqui o Tratado ou Declaração de Balfour, nessa carta
escrita pelo secretário britânico de Assuntos Estrangeiros, Arthur James
Balfour, a Inglaterra sustentava a ideia de criação de um Estado judaico, se
houvesse cooperação para com as forças britânicas, posteriormente o documento
seria anexado ao Tratado de Sèvres.
Declaração de Balfour, pelo documento os britânicos prometem aos judeus a criação de um Estado Nacional em território palestino, a ação só iria se concretizar em 1946. |
Fomentar movimentos separatistas
também foi uma tática utilizada para derrotar o Império Austro-Húngaro. Porém,
o que realmente enfraqueceu o império balcânico, foi o fato de a Alemanha assinar
a rendição completa e o Tratado de Versalhes, os austro-húngaros se
viram isolados, perdendo batalhas para a Itália e para as demais potências, a única
solução foi se render, o que custaria também a desintegração do território
imperial.
Por fim em 11 de novembro de 1918, a
potências beligerantes assinaram o Armistício de Compiègne, esse
documento assinado dentro de um vagão de trem dava fim às hostilidades na
frente ocidental, no entanto ainda era necessário aparar outras arestas
deixadas pelo conflito, fazendo com que fossem assinados vários tratados que
garantiriam a paz na Europa, ou não.
Desdobramentos
Tratados
de Paz
Os
“14 Pontos de Wilson”
Com o objetivo de selar uma “paz sem
vencidos nem vencedores”, o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson propôs
um tratado com 14 cláusulas que incentivavam principalmente o livre-comércio
entre as nações, porém as nações que se consideraram vencedoras do conflito, não
aceitaram as ideias alegando que essas fossem impraticáveis. Dentro das 14
propostas vale ressaltar o artigo 4º que priorizava a redução dos armamentos
por país.
Como os artigos de Wilson foram
recusados, as potências beligerantes assinaram entre si vários acordos, dentre
os quais iremos destacar 5.
1)
Tratado de Versalhes –
assinado em 18/06/1919, esse acordo foi o mais importante desdobramento da
Primeira Guerra Mundial, pois justamente seria o causador da Segunda Guerra
Mundial, isso porque o tratado seria usado a favor das propagandas nazistas
para demonstrar como a Alemanha fora traída, principalmente pelos social-democratas
e judeus. Os principais artigos do Tratado são:
·
Art. 45 – determinava que a
Alemanha cederia o território do Sarre, rico em minas de carvão, por um prazo
de quinze anos à França.
·
Art. 51 – estabelecia que a Alsácia
e a Lorena voltariam à posse dos franceses.
·
Art. 102 – determinava que a
cidade de Dantzig era considerada cidade livre e administrada pela Liga das Nações.
·
Art.119 – determinava que todas as
colônias alemãs passariam às mãos dos aliados.
·
Art. 160 – estabelecia a
quantidade máxima de tropas que a Alemanha poderia manter. No geral, só poderia
ter 100 mil soldados voluntários.
·
Art. 168 – qualquer fabricação de
armamentos deveria ter a aprovação dos aliados.
·
Art. 198 – determinava que a
Alemanha não poderia ter aviação nem marinha militar.
·
Art. 231 – estabelecia o
reconhecimento da culpa dos alemães pela guerra e por todas as perdas e danos
dos aliados.
Após a rendição os rumos da política
alemã mudaram, o império foi dissolvido, dando lugar a uma democracia que ficou
conhecida como República de Weimar, porém essa novidade política não
fora uma experiência das melhores e, de 1918 até 1945, a jovem Alemanha
passaria pelas piores décadas de sua existência.
2)
Tratado de Saint-German -
dissolveu o Império Austro-Húngaro, reconhecendo a independência da Hungria, da
Tchecoslováquia e da Polônia; e criando a Iugoslávia. O acordo também devolveu
as irridentas à Itália o que, somado às outras perdas territoriais
reduziu a Áustria em um pequeno Estado sem saída para o mar.
3)
Tratado de Trianon – retirava
2/3 do território da Hungria, que foram distribuídos entre România e Croácia
(parte da Iugoslávia) retirando a saída para o mar do país.
4)
Tratado de Nevilly –
impôs restrições à Bulgária, retirou parte do seu território e obrigou o país a
reduzir seus efetivos militares.
5)
Tratado de Sèvres – com
anexo da Declaração de Balfour, o acordo impôs a desintegração do Império
Turco-Otomano, com esse acordo parte da Turquia europeia foi anexada à Grécia;
a Armênia se tornou um país independente; a Síria e o Líbano passaram ao
controle francês; enquanto a Palestina e territórios da Antiga Mesopotâmia
passaram a serem controlados pelos britânicos. A Turquia por sua vez, proclamou
um governo modernizado se tornando a primeira república islâmica da História.
Como podemos
perceber, os tratados de paz desmembraram impérios inteiros da Europa até o
Oriente Próximo, portanto podemos considerar que a Primeira Guerra Mundial foi
o túmulo da chamada Era dos Impérios, e por isso o mapa político europeu
fora mais uma vez alterado drasticamente.
Com o fim da Guerra os grandes impérios europeus foram dissolvidos e o mapa da Europa ganhou uma nova configuração |
Embora não
tenha se envolvido diretamente em tratados de paz ao fim da Guerra, os Estados
Unidos haviam aderido ao conflito de forma tardia, fazendo com que suas perdas
fossem mínimas em comparação às demais potências beligerantes.
Liga das Nações
Para evitar novas guerras de proporções gigantescas 28 países,
entre eles França e Inglaterra, se reuniram em um acordo que formou a Liga das
Nações. No entanto, os EUA maior potência nascida da Grande Guerra e a Rússia, país
que abarcava maior território do mundo, se recusaram a aderir à instituição,
portanto a Liga não conseguiu cumprir seus objetivos. O fato dos japoneses[4]
terem invadido a Manchúria (1931) e dos fascistas italianos terem anexado a Etiópia[5] (1935),
são provas das falhas da Liga, a paz estava acordada, mas não estava selada, e
as contradições da Primeira Guerra iriam explodir em menos de 20 anos.
[1] De
acordo com o historiador Eric Hobsbawn, a invenção mais utilizada na Primeira
Guerra Mundial fora o submarino, pois esse garantia o êxito de que uma nação
conseguiria derrotar a outra pela fome.
[2] O
tema será melhor abordado em um capítulo específico sobre Revolução Russa.
[3] Vale
ressaltar também que desde 1916 o país já passava por uma crise de
abastecimento de alimentos, essa crise encontra seu auge em 1917 quando leite,
manteiga e batatas, de tão escassos, passam a ser considerados artigos de luxo.
RICHARD, Lionel. A República de Weimar - 1988 p.14
[4] O
Japão, durante a Primeira Guerra, lutou contra os alemães por domínios no
Oceano Pacífico e saiu como vitorioso, esses tentos fizeram o país se impor
como potência regional, facilitando a tomada da Manchúria.
[5] Durante
o século XIX a Itália se empenhou na conquista de territórios ultramarinos, no
entanto ao tentar dominar a Etiópia (Abissínia), local da África que havia sido
acordado na Conferência de Berlim, os italianos foram derrotados pelos etíopes,
fazendo com que seu país se mantivesse independente e livre dentro de um
continente dominado. Portanto a conquista da Etiópia não só era uma questão de
honra para o nacionalistas fascistas como também fazia parte da conquista do
seu spazio vitalle.
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