quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Revolução Industrial – Parte 2 – Cotidiano e Movimentos Operários.

INTRODUÇÃO

            Na primeira parte, PioneirismoInglês e Tecnologias, foram abordadas as questões tecnológicas e econômicas que deram impulso à Revolução Industrial, assim como às causas que levaram a Inglaterra a ser pioneira nesse processo que trouxe mudanças significativas que persistem no mundo atual, porém questões de ordem social ainda ficaram por ser respondidas.
            Afinal, como era a vida da nova classe dos proletariados? A evolução tecnológica significou uma evolução econômica de quem cedia força de trabalho? E essas cidades que cresceram, recebiam os trabalhadores lhes permitindo uma vida confortável e digna? Se sim, de que forma isso foi organizado? Se não, o que esses trabalhadores fizeram para garantir uma vida melhor e economicamente estável?

Gravura mostrando a paisagem londrina das fábricas, a fumaça, o cinza e o preto eram as cores das cidades industriais da Inglaterra.

 
COTIDIANO – A VIDA DENTRO DAS FÁBRICAS.

            As fábricas surgiram, cresceram, dominaram o cenário urbano da Inglaterra, e posteriormente de outras cidades da Europa e do mundo, porém uma legislação pró-trabalhador não acompanhou o processo, logo a exploração fabril era realizada ao gosto do burguês capitalista que se aproveitava da situação.
            Uma das questões primordiais da vida fabril dos trabalhadores era a insalubridade. Carente de legislações que visavam reduzir os danos à saúde, trabalhadores das minas de carvão, das minas de ferro, da tecelagem e da metalurgia, sofriam constantemente de doenças, principalmente pulmonares, alcançando um nível alarmante em 1850, no qual 100% dos homens com 50 anos polidores de metais estavam com os pulmões adoecidos por conta da fuligem.[1]
            As jornadas de trabalho também eram desumanas, iam de 14 a 18 horas por dia, e possuíam poucos horários de pausa, esses, muitas vezes, eram utilizados para afazeres da fábrica como: limpar as máquinas e organizar materiais para a produção. Além do que, maior parte desse trabalho era desenvolvido por crianças e por mulheres, muitas dessas pessoas perdiam seus membros nas máquinas e, por muitas vezes, não eram indenizadas.

As crianças e mulheres eram sistematicamente recrutados para trabalhar nas fábricas e manufaturas inglesas, pois o seus salários eram inferiores ao dos homens, além muitas crianças eram recrutadas pelas chamadas "workhouses"
           
            Os salários eram baixos, muitas vezes só serviam para a alimentação bem básica e pagar o aluguel, muitos operários morriam de fome, além disso, cientistas atrelados aos capitalistas como Thomaz Malthus, elaboravam teorias para legitimar a pobreza. Segundo Malthus, a população crescia muito mais do que a produção de alimentos, por isso havia fome entre os operários, mas, se eram os operários que produziam as mercadorias e os agricultores que produziam os alimentos, como mais trabalhadores geraria menos produção?
            Teoria essa foi contradita pelo jornal Lancashire Co-operator citado por Eric Hobsbawn em Era das Revoluções., segue o trecho:

“Não pode haver riqueza sem trabalho [...] O trabalhador é a fonte de toda riqueza. Quem tem produzido os alimentos? O pobre e mal alimentado lavrador. Quem construiu todas as casas e armazéns, e os palácios, que pertencem aos ricos, que jamais trabalham ou produzem qualquer coisa? O trabalhador. Quem tece todos os fios e faz o tecido? As tecedoras e os tecelões [...] o operário continua pobre, ao passo que os que não trabalham são ricos e possuem abundância em excesso”[2]

           
           A vida no interior das fábricas era ruim e degradante, porém a situação não era muito diferente nos bairros operários, que cresciam próximos às regiões industrias, e essa situação não mudou, mesmo quando as residências dos trabalhadores foram levadas para o subúrbio.

           Abaixo segue o documentário da BBC - As Crianças que Construíram a Grã-Bretanha Vitoriana - que aborda o tema do recrutamento, educação e o trabalho infantil na Inglaterra.



COTIDIANO – A VIDA FORA DAS FÁBRICAS

            A vida nas áreas operárias era marcada de vários problemas que surgiram ou se intensificaram com a Revolução Industrial e a urbanização desenfreada. Como as cidades foram crescendo rapidamente, não houve tempo, ou vontade, para que se organizasse uma cidade salubre e inclusiva. Logo os proletários, que já sofriam nas fábricas, ao retornar para o lar encontravam um ambiente tão hostil quanto o do trabalho.
            Um dos problemas que se intensificaram durante a Revolução Industrial foi o alcoolismo, a embriaguez era um componente da rápida industrialização e da urbanização desenfreada, podendo-se dizer que houve uma disseminação de uma peste alcoólica, não só na Inglaterra como na Europa inteira, pois como se dizia na época “o álcool era a maneira mais rápida para se sair de Manchester”. A hostilidade à embriaguez era proveniente tanto de patrões quanto de movimentos operários, o que mostra como o problema se tornou emblemático e universal no continente europeu, a ingestão excessiva de bebida alcoólica era vista como algo desmoralizante.
            O surto de grandes epidemias reapareceu na Europa, principalmente doenças como a cólera que era transmitida pela água, decorrentes principalmente da falta de saneamento básico. Prostituição, infanticídio, suicídio e demência também eram problemas recorrentes que foram associados a esse turbilhão de mudanças que surgiu na Inglaterra.


A Estrada do Gim – William Hogarth -  a gravura demonstra a vida "desmoralizadora" das áreas operárias, o alcoolismo, uma das práticas mais criticadas se faz presente na obra.


            Com problemas na fábrica e fora dela, o que os trabalhadores podiam fazer para pressionar seus patrões e o governo a lhes concederem melhores condições de trabalho? Qual foi a melhor solução encontrada pelos operários e em que isso resultou? É o que veremos nos próximo tópico:  Movimentos Operários.



MOVIMENTOS OPERÁRIOS

            Os movimentos operários trouxeram uma nova perspectiva para a luta por direitos, esses movimentos, consequência dos processos ocorrido nos século XVIII, tiveram seu ápice na primeira metade do século XIX, com seu maior exponencial em 1848, esse movimento foi alavancado, principalmente, pelas lutas populares que se iniciaram na França em 1789, mais bem dizendo: pela Revolução Francesa[3].
            Os confrontos do século XIX trouxeram a tona novos tipos de organização, a luta deixou de ser necessariamente entre pobres e ricos, para se tornar uma luta entre classe trabalhadora e burgueses, a principal tática utilizada era greve. No entanto, outras atitudes mais enérgicas também foram tomadas pelos trabalhadores.
            O ludismo, que ganhou esse nome por ser liderado por Ned (ou King) Lud, é o movimento de trabalhadores que se rebelaram especificamente contra a máquina, pois consideravam que apenas o mecanismo era gerador dos problemas operários, principalmente o desemprego, esse grupo ficou conhecido principalmente porque quebrava as máquinas e, por mais estranho que pareça, era apoiado por pequenos agricultores que viram sua produção reduzir por conta da mecanização. Em 1812 foi lançado o Frame Breaking Act, decreto que levava à pena de morte quem destruísse as máquinas e distribuía recompensas para as pessoas que denunciassem os ludistas.

Breaking Frame Act - no cartas a recompensa de 50 guinéus para quem entregar as pessoas que quebravam máquinas.

            Posteriormente, surgiu o movimento cartista, que através de greves e representantes no parlamento, buscou inserir leis que emancipavam os operários e colocava uma legislação para impor limites em relação ao trabalho exercido na fábrica. Esse movimento possuía esse nome por se basear na “Carta do Povo”, documento escrito em 1838 e entregue ao parlamento inglês com seis exigências fundamentais, vejamos a seguir:

ü      1º. Voto para cada homem maior de 21 anos, mentalmente são e sem antecedentes penais;
ü      2º. Papeleta eleitoral para proteger o eleitor no exercício de seu voto (voto secreto);
ü      3º. Que não haja qualificação com base em suas propriedades para eleição dos membros do Parlamento; desse modo os distritos eleitorais poderão exercer democraticamente o seu direito de eleger um homem que os represente, seja ele pobre ou rico;
ü      4º. Pagamento dos membros. Dessa maneira será permitido aos honestos comerciantes, trabalhadores ou qualquer outra pessoa servirem ao seu distrito eleitoral de forma intensiva, despreocupando-se de seus problemas pessoais;
ü      5º Nivelação dos distritos eleitorais para assegurar uma representação igualitária com o mesmo número de eleitores, em lugar de permitir que distritos eleitorais pequenos tenham uma representação maior que outras regiões mais extensas;
ü      6º Parlamentos anuais: dessa forma será obtido um controle mais efetivo sobre os representantes, que, ao serem renovados anualmente, terão muito cuidado do que agora em não enganar o povo que os elegeu, pois se é possível subornar ou comprar um cargo por um período parlamentar de seis anos, é de se supor que, sob a égide do sufrágio universal e sendo de um ano a duração de um mandato, não haverá dinheiro que chegue para se pôr em prática o que agora é feito impunemente;

            Como podemos ver, os movimentos operários não surgiram imediatamente após a data fixada como início da Revolução Industrial, mas esses foram de suma importância para que cada vez mais as leis trabalhistas fossem ampliadas, não só na Inglaterra, mas no mundo todo à medida que o tempo foi passando. O movimento cartista, por exemplo, continha principalmente exigências políticas, que posteriormente deram lugar às reivindicações conquistadas como: jornada de 8 horas de trabalho, proibição do trabalho noturno para mulheres e crianças, direito a férias e salário mínimo.
            Hoje, medidas neoliberais estão na contramão dos movimentos trabalhistas, pois se alega que o excesso de direitos dos trabalhadores traz problemas de ordem econômica para todos, porém cabe a reflexão: será que o direito trabalhista interfere tanto assim a ponto de ele ser causa dos seus próprios problemas? Ou será que as burguesias estão em busca de mais lucro e exploração?

A jornada de trabalho de 8 horas se tornou bandeira dos movimentos operários por muito tempo, no Brasil ela só foi alcançada no século XX e assim permanece até hoje, na França, por exemplo, a jornada chega a 7 horas por dia. 

           




[1] HOBSBAWN, 2007 p. 288

[2] HOBSBAWN, 2007 p. 290
[3] HOBSBAWN, 2007 p. 290