INTRODUÇÃO
A Revolução Industrial pode ser
considerada um dos marcos da História, esse processo que se iniciou na
Inglaterra no século XVIII[1],
se espalhou pelo mundo em momentos em intensidades diferentes, alterando
drasticamente não só a vida cotidiana, mas também a política internacional.
Em suma, a Revolução Industrial
aumentou exageradamente a produção de mercadorias e foi responsável pela
ascensão e consolidação do modelo capitalista burguês, pela urbanização dos
países e até mesmo pelo surgimento de movimentos de oposição como as
organizações operárias, trade unions e os sindicatos.
Mas, sendo a Revolução Industrial
tão impactante e tão importante no mundo, como ela surgiu? Como a burguesia
industrial da Inglaterra conseguiu consolidar o sistema fabril? E quais as
consequências desse processo?
ANTECEDENTES
Antes de concluirmos e evitar chegar
a uma conclusão simplista, é preciso traçar os caminhos que levaram o ser
humano a buscar pelo aumento da produção e organizar sua vida em torno desse
sistema. E para isso é preciso entender como funcionava a produção antes do
século XVIII, e como essa produção se desenvolveu do trabalho feito por uma
única pessoa, para a divisão do trabalho.
Um dos processos produtivos mais antigos
da humanidade é o artesanato. Não, o artesanato nesse caso não se trata
daquele produto enfeitado por um artesão que costumamos dar de presente para as
pessoas da família quando voltamos de uma viagem. Aqui se trata de artesanato
relacionado ao modo de confeccionar uma mercadoria, ou seja, as etapas pelas
quais um produto passa se transformando de matéria-prima bruta até se tornar um
bem de consumo. Nesse caso então artesanato se define por: um procedimento de
confecção de um produto no qual o realizador participa de todas, ou quase
todas, etapas, desde a extração da matéria-prima até a venda desse produto no
mercado ou nas feiras.
Na produção artesanal todas as etapas eram realizadas pelo artesão e seu aprendiz, não havia divisão do trabalho por estapas. |
O artesanato era o principal modo de
produção, principalmente no período que compreende o fim da chamada Idade Média
e início da Idade Moderna com o Renascimento Comercial e Urbano, que como o
próprio nome diz, foi a época em que o comércio e as cidades começaram a
ressurgir, principalmente, na Europa Ocidental, fazendo com que artesãos de
vários seguimentos se organizassem em corporações que garantiam qualidade,
preços e evitavam falsificação dos produtos[2]. O
aumento da produção artesanal fez com que os produtores buscassem novas formas
de confeccionar mais produtos em menos tempo, assim surgiu a manufatura.
Se antes o artesão, por exemplo,
queria confeccionar uma cadeira, esse era responsável por extrair a madeira,
talhar as peças, montar o objeto e sair para vendê-lo –algumas vezes com ajuda
de um familiar ou um aprendiz. Porém notou-se que a produção aumentaria se cada
pessoa fizesse uma dessas partes, e com um aumento na quantidade de produtos
fabricados agora era possível pagar funcionários. Então manufatura é: o
processo de produção manual no qual cada pessoa faz uma etapa de confecção da
mercadoria. No entanto, a produção que já era rápida e alcançava quantidades
maiores podia ser mais veloz e aumentada.
Na manufatura o trabalho era dividido, cada trabalhador era responsável por uma etapa da produção. |
As máquinas já auxiliavam os humanos
há um tempo, porém necessitavam quase 100% de uma força animal ou humana para
se movimentarem, mas para aumentar a produção e reduzir os custos, era
necessário inventar algo que não dependesse tanto da força e da habilidade
humana e que produzisse ainda mais do que as manufaturas. Iniciava-se a
implementação da maquinofatura, processo produtivo com participação das
máquinas movidas à energia artificial.
O
PIONEIRISMO INGLÊS
Como foi abordado anteriormente, a
Revolução Industrial foi um processo que ocorreu de maneiras diferentes, em
intensidade e tempo diferentes em cada país do globo, mas só um país foi capaz
de realizar a passagem da manufatura para a maquino fatura primeiro, ou seja,
de forma pioneira, esse país era a Inglaterra.
Mas como uma ilha isolada da Europa
continental conseguiu se automatizar antes de outras potências como a França,
por exemplo? Que fatores internos e externos foram responsáveis por esse
pioneirismo? E por que potências do pioneirismo ultramarino do século XV como
Portugal e Espanha não alcançaram o êxito de uma Revolução Industrial se
dominavam grande parte das terras do globo?
Há vários fatores que podem explicar
as vantagens inglesas perante outros países, embora sejam bastante discutidos
por historiadores que nem sempre chegam às mesmas conclusões, arrolaremos aqui
alguns dos motivos que fizeram os ingleses largarem na primeira fila dessa
corrida:
ü Acúmulo de Capitais – Em outra ocasião estudaremos a questão da
escravidão, e poderemos observar que a Inglaterra era um país que combatia as
sociedades ecravagistas ao redor do mundo, mas nesse momento temos que lembrar
a grande quantidade de capital que os ingleses conseguiram acumular com o comércio de escravos[3] em várias colônias
portuguesas e espanholas principalmente na América Latina, além de entrepostos
mantidos principalmente na costa africana. Outra fonte de renda da Inglaterra
era proveniente dos corsários, ou seja, homens que possuíam uma
autorização do governo para atacar e roubar navios inimigos e inclusive eram
pagos para lutar em guerras. As colônias ultramarinas[4] também eram fonte
de renda para o governo britânico, muita parte da renda provinha das colônias
da América do Norte, do Caribe, Guiana Inglesa e a Companhia Britânica das
Índias Orientais, um grupo de mercadores ingleses que conseguiu o controle
comercial de três cidades importantes da Índia: Madras, Bombaim e Calcutá.
A escravidão era intensa na Europa, principalmente na cidade de Liverpool, em 2007 a cidade inaugurou o Museu Internacional da Escravidão para contar a história do comércio de africanos que enriqueceu a cidade e a Inglaterra, a Revista de História da Biblioteca Nacional lançou uma matéria sobre o assunto http://www.revistadehistoria.com.br/secao/reportagem/museu-em-liverpool |
ü Revolução Gloriosa – de forma sucinta e rápida, a Revolução
Gloriosa foi o processo que determinou o fim do Regime Absolutista inglês e deu
início a um governo Burguês, assim como ocorreria na França em 1789. Esse fato
é importante, pois o mercantilismo que é a organização econômica mais ligada ao
absolutismo dificultava o crescimento do burgueses britânicos, portanto ao
derrubar, politicamente, os monarquistas, a burguesia passou a controlar a
política de acordo com os seus interesses econômicos, limitando, até hoje
naquele país, os poderes dos monarcas com o parlamento
ü Mão-de-obra farta e barata – como conseguir mão-de-obra para a
confecção de mercadorias se a escravidão, por exemplo, não era permitida na
Inglaterra? As respostas, dos donos das manufaturas e fábricas, para conseguir
a sua força de trabalho era muito simples: o campo. Desde o século XVI,
monarquistas ingleses vinham se empenhando na expulsão de moradores do campo
para as cidades, simplesmente cercando e transformando em propriedade privada
as chamadas “terras comunais”, por isso, o processo que ficou conhecido como
“cercamentos”(enclousures) era o responsável pelo êxodo rural e
consequentemente garantia trabalhadores para as fábricas e manufaturas, porém
foram esses mesmos homens e mulheres expulsos que se engajaram em movimentos
por melhorias das condições de trabalho.
ü “Legislação dos Pobres” ou “Leis Sanguinárias” – mas e se os
novos habitantes das urbes inglesas, provenientes dos “cercamentos” não quiserem
trabalhar? Para isso a monarquia e o parlamento inglês se empenhou durante
vários anos em criar um conjunto de leis que evitavam a “vadiagem”, segue um
trecho da Lei criada pela Rainha Isabel em 1572:
“mendigos sem licença e acima dos 14 anos de idade devem ser
fortemente chicoteados e marcados a fogo na orelha esquerda, no caso de ninguém
os querer tomar ao seu serviço por dois anos; em caso de repetição, se estão
acima dos 18 anos de idade, devem ser executados, no caso de ninguém os querer
tomar ao seu serviço por dois anos; à terceira reincidência, porém, são
executados sem piedade como traidores públicos”[5]
ü
Tratado de Methuen ou Tratado
de Panos e Vinhos – a Coroa Portuguesa estava em decadência e a produção de
tecidos ingleses em ascensão, então nada melhor do que comprometer ainda mais
os lusitanos com a compra de tecidos em troca da compra de vinhos, para firmar
esse acordo que beneficiava mais ingleses do que portugueses. Portanto a
intenção de derrubar Portugal como potência colonial, estava caminhando bem.
ü
Carvão e Ferro – como
alimentar e construir as máquinas? Na Inglaterra esse problema não existia, o
país era rico em recursos como o carvão mineral, fornecedor de energia, e o
ferro, matéria-prima para as máquinas. As minas de carvão têm relação fundamental com a história dos operários ingleses e suas lutas por melhores condições, pois nas minas o trabalho eram
excessivamente precário, eram utilizadas crianças de 5 a 7 anos e até pôneis para retirada de carvão das áreas mais fundas da mina.
A gravura acima consta na Cyclopedia of Useful Arts de Charles Tomlison, publicada em 1853, o livro é um compilado de artigos sobre manufatura, mineração e engenharia. https://archive.org/details/cyclopaediaofuse01tomluoft |
A política, a legislação, as
condições internas e externas já existiam na Inglaterra, agora só restavam as
máquinas, e essas viriam a se desenvolver principalmente no ramo algodoeiro,
não em toda produção têxtil como se é de costume, e embora a indústria
cervejeira da Irlanda já fosse automatizada ela pouco alterou as condições da
população à sua volta e não atingiu nem de perto vastas áreas como o algodão
(HOBSBAWN, 2007 p. 63). E foi durante todo o século XVIII que essas máquinas se
desenvolveram, levando consigo outros ramos industriais.
AS
MÁQUINAS
Houveram inúmeras invenções ao longo
da segunda metade do século XVIII que tiveram como objetivo, aumentar os
lucros, sem decair muito na qualidade do produto, mas o invento mais importante
do período foi a disciplina fabril, com ela o operário era rigidamente controlado
pelo seu patrão em sua jornada de trabalho que podia chegar até 18 horas
diárias.
ü Lançadeira volante (flying shuttle) – 1733 John Kay – Peça
que foi criada especialmente para o tear manual, possibilitava a fabricação de
tecidos mais largos em menos tempo.
Laçadeira volante, tear já utilizado em larga escala nas manufaturas inglesas |
A peça criada por Jhon Kay, flying shuttle, acelerava o processo de confecção dos tecidos. |
O vídeo abaixo demonstra o funcionamento da inveção de Jhon Kay
ü Spinning-Jenny -1767- James Hargreaves – ainda movida a
força humana, a máquina conseguia fazer vários fios simultâneos, porém pouco
resistentes.
ü Máquina a vapor – 1768 (patenteada em 1769) - James Watt – com
base na invenção de Thomas Newcomen (1712), James Watt reformulou a máquina a
vapor que desperdiçava menos energia, pois possuía uma sistema no qual uma
segunda câmara de condensação garantia um aquecimento mais lento da máquina.
Máquina a vapor de Thomas Newcomen. |
Máquina a vapor de James Watt. |
O vídeo abaixo demonstra o funcionamento da máquina de Newcomen e as modificações feitas por James Watt.
ü Water-frame - 1769 – Richard Arkwight – máquina movida a
água, embora produzisse fios muito grossos, agora a fábrica tinha que ter uma
localização específica, perto de sua fonte de energia, assim os trabalhadores
agora teriam que se deslocar até o seu local de trabalho, por conta disso é implementada
a disciplina fabril.
ü Siderurgia - 1709-1713 – Abraham Darby – sim, a siderurgia foi
desenvolvida por volta dos anos 2000 a.C.[6],
porém nesse caso estamos falando do desenvolvimento de uma liga de ferro
reforçada que serviria posteriormente para compor as máquinas. Darby, iniciou a
produção do ferro utilizando carvão mineral e com isso aumentou a produção da
Inglaterra que antes importava a matéria-prima, no entanto o ferro só
substituiu totalmente a madeira a partir de 1776.
ü Spinning mule – 1779 - Samuel Crompton – junção da water-frame
com a spinnig jenny, a mule continha o que havia de melhor das
duas máquinas, produzia vários fios simultaneamente, era movida a água e
confeccionava fios finos e resistentes, o que dava melhor qualidade ao produto,
aumentando ainda mais a concorrência da Inglaterra com a Índia.
ü Tear mecânico – 1785 - Edmund Cartwright – sem dúvida a mais
emblemática invenção da Revolução Industrial, imprimiu maior velocidade na
produção, isso porque era movido a vapor, mas ainda era possível saltar mais à
frente.
ü Descaroçador mecânico – 1792 - Eli Whitney – fora da Inglaterra,
mais precisamente nos jovens Estados Unidos da América, Eli inventou uma máquina
que faria prosperar a economia algodoeira sulista e tornaria a matéria-prima
mais barata, favorecendo os industriais da Inglaterra.
O descaroçador mecânico aumentou a oferta de algodão e diminuiu seu preço. |
As inovações da Revolução Industrial
se expandiram para vários setores que complementavam a produção industrial,
pontes de ferro, veículos movidos à vapor como a locomotiva e o barco entraram
em cena, se destacando principalmente durante o século XIX, em um período que
possamos talvez chamar de Segunda Revolução Industrial, portanto “...a revolução
industrial não foi um episódio com um princípio e um fim. Não tem sentido
perguntar quando se ‘completou’, pois sua essência foi a de que a mudança
revolucionária se tornou norma desde então”[7]
No entanto, a Revolução Industrial não
foi somente responsável pelas modificações na área tecnológica, ela também teve
consequências na vida cotidiana da população mundial, dentre elas podemos
apontar: o surgimento de duas classes sociais, a burguesia, que
aqui perde seu significado feudal e ganha nova roupagem como sendo o grupo que
detém os meios de produção e o proletariado, classe que por não possuir
os meios produtivos vende sua força de trabalho; o crescimento demográfico,
essa, consequência direta do aumento da produção de alimentos foi a maior
explosão demográfica que ocorreu após a Revolução Agrícola no neolítico, porém
diferente do acontecido na pré-história, aqui a população mundial, nem mesmo no
período das grandes guerras, chegou a retornar a uma escala demográfica anterior;
e, por fim, a urbanização foi a
consequência mais emblemática do período, mesmo assim a população urbana do
globo só veio a ultrapassar a população rural na década de 2000, o que
demonstra que esse processo ocorreu de forma desigual e em tempos diferentes em
cada país.
Mas, e a vida da nova classe dos
proletariados? A evolução tecnológica significou uma evolução econômica de quem
cedia força de trabalho? E essas cidades que cresceram, recebiam os
trabalhadores lhes permitindo uma vida confortável e digna? Se sim, de que
forma isso foi organizado? Se não, o que esses trabalhadores fizeram para
garantir uma vida melhor e economicamente estável? Essas, e outras perguntas
tentaremos responder no artigo “Revolução Industrial – Parte 2 – Cotidiano eMovimentos Operários”
[1] Eric Hobsbawn em seu livro
Era das Revoluções afirma que a expansão da indústria e suas
consequências só apresentam dados que possam caracterizar uma Revolução
Industrial somente na década de 1780, portanto o termo “revolução Industrial”
só viria aparecer em documentos a partir de 1840.
[2] “The number of voyages to Africa made between 1695 and 1807 from each of the main European ports that were involved in the slave trade were:
Liverpool: 5,300
London: 3,100
Bristol: 2,200
Other European ports: 450 (Amsterdam, Barcelona, Bordeaux, Cadiz, Lisbon and Nantes)”
http://www.liverpoolmuseums.org.uk/ism/slavery/europe/index.aspx acesso em 05/12/2016
[3] Haverá posteriormente uma
postagem sobre o aumento da produção agrícola, o surgimento das cidades e
[4] Aqui trataremos somente do
período que abrange o início da Revolução do Século XVIII, o Imperialismo
Inglês que fez com que a Inglaterra ampliasse seu território em 10 milhões de
quilômetros será abordado no tema Imperialismo
[5]https://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/347332/mod_resource/content/1/Marx%20Capital%20cap%20XXIV.pdf
[6] http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/aco/siderurgia-no-mundo--introducao.asp
acesso em 05/12/2016
[7] HOBSBAWN, 2007 p. 51